Powered By Blogger

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Extraído do livro "O Pequeno Príncipe"

"E foi então que apareceu a raposa:


- Bom dia, disse a raposa.

- Bom dia, respondeu polidamente o principezinho que se voltou, mas não viu nada.

- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira…

- Quem és tu? Perguntou o principezinho. Tu és bem bonita.

- Sou uma raposa, disse a raposa.

- Vem brincar comigo, propôs o príncipe, estou tão triste.

- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.

- Ah! Desculpa, disse o principezinho.


Após uma reflexão, acrescentou:

- O que quer dizer “cativar”?

- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?

- Procuro amigos, disse. Que quer dizer cativar?

- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa “criar laços…”

- Criar laços?

- Exatamente, disse a raposa.

- Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo…

Mas a raposa voltou à sua idéia:

- () Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o barulho de passos que serão diferentes dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora como música. E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então será maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo…

A raposa então se calou e considerou muito tempo o príncipe:

- Por favor, cativa-me! Disse ela.

- Bem quisera disse o príncipe, mas eu não tenho tempo. Tenho amigos a descobrir e mundos a conhecer.

- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. O homem não tem tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Os homens esqueceram a verdade, disse a raposa.
(...)"


Antoine de Saint-Exupèry - Do livro “O Pequeno Príncipe”

Pergunta- me

Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer

Mia Couto


António Emílio Leite Couto,(Mia Couto) nasceu na Beira, Moçambique em 1955. Biólogo, poeta, contista e romancista, é o escritor da geração pós-independência,traduzido e editado em várias línguas.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Pais que pedem recolhimento de livro são ‘burros’, diz escritor

Por Amauri Stamboroski Jr. Do G1, em São Paulo

Conto de Loyola Brandão contém ‘linguagem inapropriada’, dizem pais.
Livro com conto é distribuído na rede pública de ensino de São Paulo.

“Eles são burros porque não estão vendo a realidade”, afirma o escritor Ignácio de Loyola Brandão em entrevista por telefone ao G1.
Ele se refere a um grupo de pais em Jundiaí que pediu ao Ministério Público o recolhimento do livro “Cem melhores contos brasileiros do século”, distribuído em escolas da rede pública. Eles alegam que o conto “Obscenidades para uma dona de casa”, escrito por Brandão, é inapropriado para alunos do ensino médio.
“Nesse momento eu acesso a internet e vejo jovens mandando e-mails com imagens nuas para os amigos. Vejo mensagens no Twitter, de jovem para jovem, muito obscenas. Se você pegar a série ‘Crepúsculo’, tão endeusada, tem muita sacanagem”, diz o escritor. “Eu me pergunto, onde estão esses pais que não conversam com os filhos, que não perguntam o que eles acham de sexo, de erotismo, de palavrão. Que mentalidade é essa, 1500? Em 2010 isso não faz sentido”.
Segundo Gilberto Aparecido da Rosa, pai de duas adolescentes gêmeas de 17 anos, a linguagem do conto “é muito chula para os padrões acadêmicos”. “Acho que os jovens não mereceriam receber uma linguagem dessas dentro das escolas”, afirma.
Brandão diz que esse tipo de abordagem em relação ao livro não é novidade. “Já aconteceu em Jundiaí, já aconteceu em Piracicaba, já aconteceu em Avaré, já aconteceu em Santos”, enumera. “É um livro distribuído para a rede estadual, foi a Secretaria de Educação que escolheu”.
Kristen Stewart e Robert Pattinson em cena de 'Eclipse', filme da saga 'Crepúsculo: 'essa série, tão endeusada, tem muita sacanagem', diz escritor.Kristen Stewart e Robert Pattinson em 'Eclipse', filme da saga 'Crepúsculo: 'essa série, tão endeusada,tem muita sacanagem', diz escritor.
O conto, que foi publicado pela primeira vez em 1983 na revista “Ele & Ela”, narra a história de uma mulher que recebe cartas de um desconhecido, e é baseado em uma história real, que teria acontecido com uma vizinha do escritor.
Sem obscenidades
Para ele, o texto, que já foi publicado em dez línguas e virou vídeo e monólogo teatral, não é obsceno. “Ele é erótico, é sensual, mas é poético. Já foi tema até de vestibular! Não existe obscenidade na arte, a não ser quando ela é pornográfica, e isso é a última coisa que o conto é”, afirma.
Irônico, Brandão agradece aos pais “por terem chamado a atenção para uma obra de arte” e diz não se preocupar com os processos. “Acho que vou ser preso”, brinca. “Estou absolutamente tranquilo. Faço literatura e vou continuar a fazer. Se eu me preocupasse com isso não escrevia nenhuma linha”.
O autor vai comparecer à Bienal do Livro em São Paulo neste domingo (22) lançando uma edição comemorativa dos 35 anos de seu romance “Zero”, que foi censurado pela ditadura militar na época da sua primeira publicação e rendeu um abaixo-assinado com o apoio de centenas de intelectuais.
Lembrando dos anos de chumbo, Brandão diz não ter motivos para se incomodar com as reclamações atuais. “Eu já fui proibido pela ditadura, e estou aqui vivo. Você acha que agora eu vou me preocupar com um pai, um estúpido?”, encerra.